Da autoridade da arte para a alteridade na arte


Não há nada mais moderno que querer defender um ponto de vista sobre a arte. Será que deveríamos tentar fazê-lo em um tempo que se quer pós-moderno? Aliás, há espaço para a arte, assim mesmo - no singular -, na panacéia em que a produção contemporânea se transformou? Qual é a contemporaneidade da arte?

Em senso comum, e em qualquer papo, do(a) vigilante de museu ao senhor(a) diretor(a) desse digníssimo conservatório da alta cultura, a arte, essa que vem adjetivada de contemporânea, caduca muitas vezes frente ao ideal já compartilhado socialmente – será? – de que uma obra é um ente tão maravilhoso nesse mundo tão cinza que só posso frente a ela admirar a capacidade do artista de criar, enquanto espero que haja espaços tão belos quanto as obras para que estas sejam conservadas ad infinitum ou até o próximo primeiro domingo do mês, quando eu deveria – socialmente – passear por um verdadeiro cartão postal da cidade mais classe média que o horizonte verde e amarelo pode gerar.

Há quem diga que não entende arte contemporânea. Eu diria que há quem diga que não entende arte com adjetivos, a moderna ainda não foi engolida por muita gente. Mas isso é normal; quando me perguntam o que faço, temo por dizer “artes visuais”, pois a segunda palavra sempre se desmembra em uma nota de rodapé, e sempre vou pelo caminho mais fácil - e nada contemporâneo! “Isso mesmo, pintura, escultura, desenho, fotografia...”. A língua é complicada e a comunicação nos escapa facilmente, mas gostaria de ter a oportunidade de um dia saber exatamente o que se passa na cabeça de meus interlocutores quando respondo apenas “faço (ou estudo) arte”. Possivelmente, muitos imaginam aquilo que eu sempre respondo, mas com uma carga simbólica tão forte que, na maioria das vezes, não se faz necessária uma explicação. De uma maneira ou de outra, eles entendem o que é arte.

A questão, portanto, residiria na manifestação concreta dessa arte, isto é, nas artes que a arte possui. De outro modo não poderia ser, pois conceitos não possuem possibilidades de contato enquanto tais, uma idéia só se comunica com outra se há no mínimo uma fala (ou uma escrita) feita por uma pessoa ou por um meio, os quais têm uma forma que se dá ao contato. A arte conceitual, por exemplo, foi/é não a tentativa de criar conceitos, mas de formas que fossem elas mesmas conceitos ou operações conceituais. Formas não precisam ser, desde o conceitualismo, criadas por materiais, mas se dá até mesmo na desmaterialização da arte e digo com clareza, de que nisso não há nada de especificamente contemporâneo (leia-se, de algumas décadas para cá), pois Marx já afirmava, no século retrasado: “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. Há algo mais da época moderna que o marxismo?! Principalmente quando se conclama a perda das grandes metas narrativas (concordo!) para qualificar a diferença do hoje para o ontem. Todavia a arte sem a arte não é um fato à frente de seu tempo, mas uma das possíveis formas de um tempo que possui história - ainda que se possa decretar a sua morte, mas nunca matá-la.

Enquanto formas que se manifestam concretamente e se dão ao contato com alguém, a arte nada mais seria que, virtualmente, um outro que nos olha daquele jeito, mais piegas impossível, quando afirmamos que os olhos são janelas da alma e, por isso mesmo, mais ingênuo e dolorido, pois se ela nos vê é porque existimos. Essa inversão não é estática, mas dialética, se dá na relação que estabeleço com esse outrem.

A arte não é, está sendo na medida em que eu sou. Toda forma de arte deveria, portanto, ser um convite a mim mesmo. Só posso afirmar que arte é isso ou aquilo se afirmo quem sou e só posso ser se me há a possibilidade de viver algo que seja diferente de mim, mas que revele a minha humanidade. Ou como diria Nietzsche, “só como fenômeno estético podem a existência e o mundo justificar-se eternamente”.

TIAGO VALDIVIESO
tiagovaldivieso@gmail.com

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