ENTRE ESPESSURAS ANACRÔNICAS DE FRAGMENTOS


Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831) e
Charles-Pierre Baudelaire (1821 – 1867).
“...impossível descobrir uma regra que distinga o que é belo do que não o seja (...) o que deve servir de base não é o particular, não são as particularidades, não são os objetos, fenômenos, etc., particulares: é a ideia.” (HEGEL, 1974. p. 90 e 92).
“Quanto a crítica propriamente dita, espero que os filósofos compreendam o que vou dizer: para ser correta, ou seja, para ter sua razão de ser, a crítica deve ser parcial, apaixonada, política – isto é concebida de um ponto de vista exclusivo, mas que descortina o máximo de horizontes. (...) Assim um ponto de vista mais amplo será obviamente o individualismo: exigir do artista a simplicidade e a expressão sincera de sua personalidade, ajudado por todos os meios que seu ofício lhe fornece.” (BAUDELAIRE, 1996. p 21).
”Pensamos nós que o conceito de belo e da arte é um pressuposto advindo do sistema da filosofia. Mas porque é impossível examinar agora este sistema e as suas relações com a arte, ficamos distanciados do conceito científico de belo, e temos de nos contentar em conhecer seus diversos elementos e aspectos tais como se encontram ou foram anteriormente concebidos nas diversas representações do belo artístico pertencentes à consciência vulgar.” (HEGEL, 1974. p. 83).
“Quanto mais a arte quiser ser filosoficamente clara mais ela se degradará e remontará ao hieróglifo infantil; ao contrário, quanto mais a arte se destacar do ensinamento, mais ascenderá à beleza pura e desinteressada.” (BAUDELAIRE, 1991. p. 72)
“ Os bons tempos da arte grega e a idade de ouro da última Idade média são idos. As condições gerais do tempo presente não são favoráveis à arte. O próprio artista já não é apenas desviado e influenciado por reflexões que ouve formular cada vez mais alto à sua volta, por opiniões e juízos correntes sobra a arte, mas toda a nossa cultura lhe torna impossível, mesmo à força de vontade e decisão, abstrair-se do mundo que à sua volta se agita e das condições a que se encontra sujeito, a não ser que recomece a sua educação e se retire para um isolamento onde possa encontrar o seu paraíso perdido. Em todos os aspectos referentes ao seu supremo destino, a arte é para nós coisa do passado. Com sê-lo, perdeu tudo quanto tinha de autenticamente verdadeiro e vivo, sua realidade e necessidade de outrora, e encontra-se agora relegada na nossa representação. O que, hoje, uma obra de arte em nós suscita é, além do direto aprazimento, um juízo sobre o seu conteúdo e sobre os meios de expressão e ainda sobre o grau de adequação da expressão ao conteúdo.“ (HEGEL, 1974. p. 94).
“A arte, considerada em sua vocação mais elevada, é e permanece para nós coisa do passado. Com isso, para nós ela perdeu verdade e vidas genuínas, tendo sido transferida para nossas ideias em vez de manter o seu destino primeiro na realidade e ocupado o seu lugar mais elevado. O que agora é estimulado em nós por obras de arte não é apenas a satisfação imediata, mas também o nosso julgamento, uma vez que submetemos à nossa consideração intelectual o conteúdo da arte, e a adequação ou inadequação de um ao outro. A filosofia da arte é, por essa razão, uma necessidade maior em nossos dias do que o fora nos dias em que a arte por si só produzia uma completa satisfação. A arte nos convida a uma consideração intelectual, e isso não com a finalidade de criar arte novamente, mas para conhecer filosoficamente o que a arte é.” (HEGEL apud DANTO, 2006. p.35)
“Por sinal, mesmo ao espírito de um artista filósofo, os acessórios se oferecem, não com um caráter literal e preciso, mas com um caráter poético, vago e confuso, e amiúde é o tradutor que inventa as intenções.” (BAUDELAIRE, 1991. p. 75).
“A arte é, pois, incapaz de satisfazer à nossa última exigência do Absoluto. Já nos nosso dias, se não veneram as obras de arte, e a nossa atitude perante as criações artísticas é fria e refletida. Em presença delas sentimo-nos livres como se não era outrora, quando as obras de arte constituíam a mais elevada expressão da Idéia. A obra de arte solicita o nosso juízo; seu conteúdo e a exatidão da sua representação são submetidos a um exame refletido. Respeitamos, admiramos a arte; mas acontece que já não vemos nela qualquer coisa que não poderia ser ultrapassada, a manifestação íntima do Absoluto, e submetemo-la à analise do pensamento, não com o intuito de provocar a criação de novas obras de arte, mas antes com o fim de reconhecer a função e o lugar da arte no conjunto de nossa vida.“(HEGEL, 1974. p. 94)
“Mais de uma vez, como todos os meus amigos, tentei incluir-me num sistema para aí perorar à minha vontade. Mas um sistema é uma espécie de danação que nos força à abjuração perpétua; é sempre necessário inventar outro e esse esforço é um castigo cruel. Sem cessar, condenado à humilhação de uma nova conversão, tomei uma grande decisão. Para escapar ao horror destas apostasias filosóficas resignei-me orgulhosamente à modéstia: contento-me em sentir, voltei a procurar asilo na impecável simplicidade.” (BAUDELAIRE apud VENTURI, 1998. p.224)
“Eu falava ainda a pouco sobre os pedreiros. Quero caracterizar por essa palavra essa classe de espíritos grosseiros e materiais (o número deles é infinitamente grande), que não apreciam os objetos senão pelo contorno, ou, ainda pior, por suas três dimensões: largura, comprimento e profundidade, exatamente como os selvagens e camponeses. Com frequência, ouvi das pessoas dessa espécie estabelecer uma hierarquia das qualidades, absolutamente ininteligível para mim; afirmar, por exemplo, que a faculdade que permite a este criar um contorno exato, ou àquele um contorno de uma beleza sobrenatural, é superior à faculdade que sabe associar cores de uma maneira encantadora. Segundo essas pessoas, a cor não sonha, não pensa, não fala. Pareceria que, quando contemplo a obra de um desses homens denominados especialmente coloristas, me entrego a um prazer que não é de uma natureza nobre; de bom grado me chamariam de materialista, reservando para eles mesmos o aristocrático epíteto de espiritualistas.” (BAUDELAIRE, 1991. p. 97).
“Entenda-se aqui, por favor, a palavra artista num sentido muito restrito, e a expressão homem do mundo num sentido muito mais amplo. Homem do mundo, isto é, homem do mundo inteiro, homem que compreende o mundo e as razões misteriosas e legítimas de seus costumes; artistas, isto é, especialista, homem subordinado à sua palheta como o servo à gleba (...) não gosta de ser chamado de artista. Não teria ele alguma razão? Ele se interessa pelo mundo inteiro; quer saber, compreender, apreciar tudo o que acontece na superfície de nossa esferóide. O artista vive pouquíssimo – ou até não vive no mundo moral e político.” (BAUDELAIRE, 1996. p. 16 e 17).
BAUDELAIRE, Charles. Escritos Sobre Arte. Tradução Plínio Augusto Coêlho. Imaginário, Edusp: São Paulo, 1991.
BAUDELAIRE, Charles. Sobra a Modernidade. Tradução Teixeira Coelho. Paz e Terra: São Paulo, 1996. Coleção Leitura.
DANTO, Arthur C. Após o Fim da Arte: A Arte Contemporânea e os Limites da História. Tradução Saulo Krieger. Odysseus, Edusp: São Paulo, 2006.
HEGEL, George Wilhelm Friedrich. Estética – A Ideia e o Ideal. Tradução Henrique Claudio de Lima Vaz, Orlando Vitorino e Antônio Pinto de Carvalho. Abril Cultural: São Paulo, 1974.
VENTURI, Lionello. História da Crítica de Arte. Tradução Rui Eduardo Santana Brito. Edições 70: Lisboa, 1998. Coleção Arte e Comunicação.

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