Visito exposições de arte desde 2002. Comecei a estudar arte por conta própria, na sequência fiz um curso de graduação na área e passei a visitar cada vez mais exposições. Nesse meio tempo comecei a notar que existe certo distanciamento entre o espaço de exposições e o público, algo que considero bastante grave.
Acredito que toda exposição é feita de um artista para um público, e este público deve ser bastante variado, e idealmente bastante numeroso. Para o artista, quanto mais pessoas, dos mais variados tipos, visitarem sua exposição, melhor. No entanto, às vezes fico em dúvida se este é realmente o pensamento da maioria dos artistas.
Ainda hoje me deparo com situações que evidenciam o fato de a arte ser para poucos. Essa distância, acredito, dificulta muito o trabalho de curadores e arte--educadores que desejam aproximar o público e criar um ambiente de fruição.
A fruição, isto é, quando a obra se abre para o sujeito, significando a vivência de sentidos e conexões, pode passar para um estágio de interação que se faz numa relação recíproca de despertar que envolve simultaneamente estranhamento e admiração; percepção e imaginação.
Levando em consideração a ideia de que a arte pode ser entendida como materialização de uma consciência ativa do artista, entende-se que ela se faz multiplicada em cada sentido no sujeito, o qual se abre para esta experiência. Entretanto, se este sujeito não existe, ou melhor, não entra em contato com essa arte, pouca coisa se efetiva, e as exposições de arte acabam perdendo o sentido de existência.
Acredito que uma exposição cumpre um papel fundamental em um momento de experiência e de aproximação com um determinado conhecimento. Com a criação dos museus públicos, consequentemente houve uma transformação do olhar dos artistas, que puderam acessar essas exposições e com elas obter um aprendizado para o desenvolvimento artístico.
Podemos ressaltar a questão de que tudo o que está dentro de uma exposição, gera significados. O cuidado no momento de expor deve ser levado em consideração para que isso não vire uma enorme aura naquilo que nada tem de sagrado. Todo esse ambiente isolado (cubo branco) em que a arte se apresenta hoje nos leva a fazer conexões inusitadas e até mesmo inapropriadas diante do que está exposto. A distância que este ambiente cria no público nos leva a pensar nos limites entre a arte e a sociedade.
Muitas vezes nos deparamos com fotos em catálogos de exposições ou em sites que mostram quase sempre ambientes sem público algum, o que dá a entender que enquanto olhos e mentes podem ser bem-vindos, corpos que ocupam este espaço talvez não. A própria definição de “espaço de arte” limita a entrada de algo que vá além disso.
Penso que talvez algumas exposições que encontramos em shoppings, restaurantes, cafés e outros espaços sejam uma tentativa de levar esses trabalhos até as pessoas, já que quando expostos em instituições “específicas” são sobrecarregados por esta aura intocável e inacessível que afasta muitas pessoas.
Mas levo em consideração que alguns desses espaços de museus são muito acessíveis, bem localizados, sempre de portas abertas; no entanto as pessoas não entram, não sabem se podem entrar, não sabem o que se encontra ali, ou sabem e simplesmente ignoram. Podem também definir como algo que não é interessante, enfim. Talvez saibam que naquele lugar não há nada para ser comprado, consumido e adquirido em matéria, parece que dali não se aproveita nada e que é tudo muito subjetivo. De atrativo ali temos só a arte, mas quem te ensinou que arte é legal? Que arte te faz ter ideias? Que arte desperta uma porção de sensações? Que arte é conhecimento?
Coloquemos a culpa então na nossa educação e na nossa cultura, e é por causa da falta desses elementos que as pessoas não visitam exposições. Será mesmo?
Também acredito que existe uma falta de interesse das pessoas envolvidas com a produção de arte de incluir esse público. Existe sempre um grupinho muito fechado que reclama da falta de espaços expositivos, da falta de apoio do governo para produção cultural, e no fim das contas, não é a falta de exposições, ou de produção que vejo como o maior dos problemas. A cada ano acontecem muitas exposições de arte, e o que falta de verdade são pessoas vendo essas exposições. Até mesmo aqueles que estudam, ou se interessam por arte, muitas vezes estão ocupados demais ou entediados, ou então a exposição não é de nenhum amigo ou conhecido para se deslocarem até esses espaços de exposição.
Lá no fundo as “pessoas comuns” gostam de arte, mas às vezes esse público é deixado de fora por esse grupo de “entendidos”, que acreditam que arte é só para quem entende. E é claro que não descarto o fato de ser também uma consequência educacional e cultural. Enfim, esses são alguns de muitos fatores que dificultam a entrada de mais pessoas em espaços expositivos.
Tive uma experiência com um grupo de professores de magistério que visitaram uma exposição de arte contemporânea e durante a visita levantaram questões muito pertinentes e puderam manifestar suas impressões, aquilo que gostaram e o que não gostaram, trabalhando com o senso e olhar crítico diante da arte. Quebrando barreiras de preconceito, aceitando muitas vezes o desconhecido e se dispondo a olhar, conhecer e estabelecer algum tipo de relação que não tenha só conexão com o entendimento; simplesmente se dispuseram a ver e a conhecer estes trabalhos.
Existem trabalhos de arte cujo alcance é maior e que não se fragilizam por serem atraentes também àquele que pouco entende de arte; por isso pode despertar o interesse desse leigo, em princípio, para que passe a ter a oportunidade de não o ser mais. Vejo muitos artistas e pessoas da área considerarem que a boa arte é aquela que consegue dar um nó na cabeça das pessoas, ou aquela que ninguém entende.
Mas o artista com o seu trabalho também pode oferecer vias de entrada e compreensão para o público em geral, e isso não é fazer trabalho “vendido”, mas sim proporcionar a comunicação.
Se as exposições existem para mostrar algo, é preciso que exista esse “alguém” ao qual se destina, e acredito que esse alguém possa ser qualquer pessoa.
Fabrícia Leme
Artista Curadora
fabricialeme@gmail.com
http://www.fabricialeme.com/
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