Em defesa do termo "obra" de arte

Após os read-mades de Duchamp e a vanguarda da "arte conceitual", o conceito de "obra de arte" sofre uma grande torção. Se no pensamento modernista a validação da arte se daria puramente por meio de sua visualidade, na arte conceitual é a partir do conceito. E com isso o conceito passa a ser mais relevante do que qualquer objeto apresentado.

Nessa vanguarda específica, artistas criticavam a ideia do formalismo e da abstração construída no pensamento modernista. Para eles esse tipo de arte não chegava a ninguém, apenas existia como discurso privativo e simbólico conhecido apenas pelos burgueses consumistas da época (consumistas porque compravam essas "obras de arte" - objetos). Assim, artistas conceituais também enviavam objetos de arte para exposição, mas não mais como obra de arte, e sim como "registros", por se tratar sempre de fotografias, textos, documentos, projetos, etc. Assim, nas instituições que recebiam estes materiais, os padrões de validação do "algo" como arte tiveram de ser alterados: a obra de arte fora chamada de "trabalho de arte" e agora carregaria junto de si para sempre um texto, chamado "conceito do trabalho".

É válido que essa releitura da definição "obra de arte" tenha sido feita se concordarmos que a arte não é um objeto, e sim uma idéia. É válido também, se concordarmos que o objeto deve ser chamado de registro e não de obra, porque não parte (do verbo partir) da arte, e sim, é parte (pedaço) da arte (objeto, texto, conversas, oficinas - todas parte de um todo).

Pensando nisso, na arte como puro conceito, não é difícil considerar a própria arte modernista próxima das definições da arte conceitual. Não seria, pois, o "conceito formalista" o que validava aquele objeto como possuidor de arte - uma espécie de "registro" peculiar desse conceito que para eles (os burgueses consumistas) se entendia como arte? Tudo bem que o objeto modernista não aceitaria nunca um texto agregado, mas o "conceito da "obra" sempre existiu, mesmo que esse não tenha sido escrito pelo artista, era este qu o validava como algo de arte. Em suma, a maior relevância que acarretou o pensamento da arte conceitual foi a de negação da existência de um único conceito - aquele da visualidade pura construído no pensamento estético de Clement Greenberg, abrindo-o para a possibilidade da criação de novos conceitos de arte.

Hoje, na arte contemporânea, em que o conceito fora entendido de vez como legitimador de um objeto artístico, a grande guerra entre os termos "obra" e "registr" parece meio irrelevante. Primeiramente porque o registro, seja ele texto ou fotográfico, pode conter os mesmos dispositivos de fruição do seu "conceito" que o termo obra tem para o conceito formalista. Ou seja, o mode como eles atuam como objeto artístico é o mesmo, por meio da visualidade da matéria apresentada (que tem lá suas relações de significados) como trabalho ou obra de arte. Segundo, porque a maioria dos trabalhos de procedência "conceitual" não carrega consigo explicações, textos, ou suas outras "partes" para que possamos entender o que o artista quis dizer com aquilo. Tornando a arte novamente privada para uma elite intelectual fechada que parece ter os mesmos ranços modernistas de dominação do conceito de arte.

Sendo assim, acredito ainda na ideia de "obra de arte", e que esta sempre será de alguma maneira um objeto em suas instância final. Pois é este algo que consegue exprimir a essência da arte (que é seu conceito), o algo que é experimentado pelo espectador (seja esse um texto, fotografia, pintura, ou um grupo de coisas). Mas que este algo, para se chamar de obra consiga fazer-se arte por si só e nçao desapareça por ser apenas uma parte que não é o suficiente para fazê-lo existir. O conceito formalista aprendemos na escola, mas afinal, quem vai saber um dia, ao pegar um livro qualquer numa prateleira de biblioteca, se na verdade terá em mãos uma sala expositiva com obras artísticas no formato de texto, se este conceito explicativo não estiver relatado em suma neste livro fazendo parte da obra-livro disponível para experimentação?

Lailana Krinski
lailanalailana@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário