Muito se fala sobre imagem em variados campos do conhecimento humano, já que essa forma de comunicação se faz presente em nossa história desde os primeiros tempos. Seu estudo e compreensão é multidisciplinar, sujeito, portanto, a diversos olhares, de diferentes áreas. Observando como as imagens são geradas podemos chegar à definição de sua natureza. Nesse sentido, colabora Emanuele Coccia: “Compreender a gênese de alguma coisa não significa interrogar-se imediatamente sobre sua essência ou sobre sua forma. Trata-se muito mais de perguntar onde, através do que, as imagens podem “nascer” nesse mundo”.
As conhecidas modificações que afetaram a sociedade e as imagens são enormes, recentes e provocaram inevitavelmente rupturas em nossa percepção do mundo. Transformações físicas e psíquicas, mentais, cognitivas e sensoriais estão em processo.
A evolução nos conceitos de espaço, tempo e matéria – e os avanços tecnológicos – transformaram os procedimentos técnicos e instrumentais. Hoje, boa parte das imagens artísticas são trabalhadas direta ou indiretamente em realidades numéricas. São informações processadas em operações matemáticas a partir de inteligência artificial. O que, de fato, ampara e está por trás dessas imagens é essencialmente abstrato.
Ainda que a complexidade das fórmulas matemáticas que sustentam tais conceitos seja tão elevada, a ponto de “circuitar” nossos neurônios, cabe dizer que a ciência se flexibilizou ao final do século XX, tornando-se mais adaptada às imprecisões e aos limites humanos. Isso se deve, em parte, pela descoberta primordial desempenhada pela incerteza e pelo aleatório nas leis da natureza, descritos pelo princípio de indeterminação de Heisenberg, que se verifica, por exemplo, nas estruturas fractais – que são irregulares – quanto nas fronteiras entre a ordem e o caos.
No domínio das imagens, também um limiar é transposto: a partir do momento em que a indústria nascente introduz a máquina. Para André Rouillé, ao colocar a máquina fotográfica no lugar das mãos, dos olhos e das ferramentas dos artistas, a fotografia redistribui a relação que já existia, há vários séculos, entre a imagem, o real e o corpo do artista. Antes, nunca a mão do homem havia sido excluída. A extensão com a máquina causou uma re-configuração desse “corpo” e sua sensibilidade. A fotografia que, enquanto imagem tecnológica, distingue-se de todas as imagens anteriores, anuncia uma nova série, em que vão incluir-se, principalmente, a televisão, o vídeo e o cinema. A diferença entre a fotografia analógica e a digital não está no grau, mas na natureza. E isso não se limita apenas à ausência de sais de prata. Basta lembrar a velocidade com que a televisão garantiu sua hegemonia e a expansão acelerada da internet. Assim, a fotografia digital ultrapassa totalmente a fotografia. Trata-se de um derivado ou pós-fotografia, tanto por sua matéria, seu modo de circulação, seu funcionamento, como por seu regime de verdade.
A holografia, por sua vez, nos desafia a aceitar a existência de corpos e objetos tridimensionais que se desmancham no espaço. Liberta-nos das referências da geometria euclidiana, e o que concebíamos como território definido e sólido passa a ser informação desmaterializada, penetrável e passível de ocupar um mesmo espaço, ao mesmo tempo, que outro corpo-imagem, gerando um paradoxo visual dramático. Apesar de sua aparência tridimensional, é no vetor temporal que está o grande potencial artístico da holografia: sua quarta dimensão imaterial, que proporciona a percepção visual de conceitos da física quântica.
As imagens sintéticas são resultantes de informações matemáticas. Para sua criação não se trabalha sobre a imagem de uma imagem, como em uma fotografia, mas a partir de equações numéricas processadas por programas em computador, desta forma restando afastadas as relações das mesmas com o real. Em outra vertente, temos as imagens oferecidas por óculos ou lentes de realidade expandida que possibilitam as experiências imersivas e híbridas. São imagens ao mesmo tempo reais e virtuais, que abalam as tradicionais relações entre espaço-imagem-objeto-observador, onde tudo existe simultaneamente.
É interessante pensar que as fronteiras da lógica convergem para pontos-limites da ciência, o que não acontece com o pensamento artístico, que também floresce ali. Assim, podemos constatar que essas imagens fluídas nos inserem em contextos multidisciplinares muito maiores que a relação arte-ciência, no momento em que novos paradigmas visuais e intelectuais se apresentam. Num primeiro instante, ficamos atentos e nos preocupamos com a imagem. E esse predomínio do visual-imaginativo implica num certo desvio de atenção aos aspectos conceituais abstratos e às suas conexões internas. Entre a imagem percebida e como é produzida, reflete-se a necessidade de reavaliar conceitos e referenciais construídos em relação às mesmas.
Inara Vidal
Artista Visual
inaravp@yahoo.com.br
Artista Visual
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