A crítica prescinde do objeto



“Catholic Church: A big big church for the ordination of a priest.  5 hours of incense and speeches broken up (thankfully) by a soulful chorus, African drums,and women in matching capalanas and headscarves softly gesturing and shuffling forward in unison.  The ceremony was punctuated by heartfelt ululations (yiyiyiyiyiy!) from the chorus and warm gestures from the priests colleagues.  The priests made a long procession and one after the next, kissed the palms of those three newly ordained and took them in large embrace.  The music and their joy was so infectious that the ceremony's tedium was peeled back to reveal the sanctity of the occasion, the apex of 10 years’ education, the beginning of a career of service, a taste of the compassion their vocation exists to inspire.” (1)
(Micah Carboneau – Moçambique, 2011)

Coletivos de arte se relacionam com o ‘objeto criado’ na proporção da intenção de suas escolhas formais e do processo criativo. Diante das inúmeras possibilidades de escolha, o coletivo de criação carrega o sentido de certos valores ligados aos encaminhamentos lógicos das derivações inevitáveis e para isso opta por um procedimento coletivo, evidentemente de inúmeras configurações.
Abre-se assim ao inusitado, de maneira que se suspendem, para questionamentos e avaliações, todos os dados surgidos na escolha, diante de convicções e dúvidas naturais do processo,  formatadoras dos perfis dos coletivos enriquecidos e complexibilizados pelo método não-individualista.
Diante desta realidade se deparam todos os participantes: artistas, críticos, público e etc. com a missão de inter-relacionamento semiótico até que se possa compreender este processo como artístico.
Os problemas para a definição de uma ação artística ou não, entretanto, permanecem como nas demais ‘categorias’ artísticas, não sendo, para essa, se arte coletiva vem ter finalidade ou não. Projeta-se, pois, a questão da forma coletiva de produção para questões pontuais e muito práticas assumidas com os riscos naturais das escolhas humanas.
Essas ‘questões’ têm variações na proporção das possibilidades e derivações, e servirão, eventualmente, para explicar a escolha de individualidade ou de coletividade, sem a necessidade da qualificação de uma e de outra, podendo existir uma, outra e até ambas as formas, desde que a opção se sustente pela obra, pelo conceito, pela intenção e etc.
A participação do público eventualmente fica localizada da mesma forma na ampliação da ação planejada, como a de outros coletivos, artistas e até de profissionais de outros grupos específicos, podendo considerar- se como proposta duchampiana de que todos podem fazer arte.
Os coletivos de arte têm um embate central contra o sistema de arte como uma das propostas de distanciamento de algumas lógicas que sustentam o sistema, evidenciando o propósito de oferecer opção àqueles que, ideologicamente, não aceitam as suas regras. No limite, estão a propor meios viáveis de rompimento com o sistema nas ações de não aceitação das imposições já esgotadas da produção de mercadorias para especulações diversas a que o mercado está vinculado.
Isto não é garantia de uma solução definitiva, mas é, certamente, uma proposta de caminho para aqueles que já podem compreender as evidências do esgotamento dos métodos tradicionais e suas técnicas diversas; seus mitos construídos; as tentativas de manutenção do mercado do ‘status’ das superestruturas políticas e econômicas, sobre a prevalência de críticos especialistas em valor de troca e de venda acima do desejo do artista alienado, pela função de produtor de mera mercadoria; do valor intrínseco do conteúdo artístico daquilo que a obra apontaria se a liberdade criativa fosse conquistada e, finalmente, da aproximação do objeto, sob domínio da estrutura comercial comum de mercado, com a indústria cultural, como validadores do sentido de um objeto como artístico e merecedor de vencer todas as etapas aqui apontadas.
 Ao optar pelo processo coletivo, entre outras coisas, o conjunto de artistas e não artistas estariam criando fatores de complexibilização para o mercado, provocando a reavaliação de todos, desconstruindo algumas lógicas estratégicas. O coletivo pode, pelo próprio processo, desvincular-se do objeto posto como um fim, proporcionando ampliação das possibilidades de tudo que se pretende denominar arte.
Os coletivos de arte já detêm as formas de validação de críticos, Estados, academias, ideologias sociais e políticas, ao defender para si a liberdade, proporcionando novos formatos e proposições só possíveis pelas trocas, entre artistas, não artistas e outros coletivos que, por coerência, projetará valores mais densos aos conteúdos das coisas geradas que escaparão do mito do mercado como único validador da produção, material e imaterial dos artistas.
Cabe ao crítico preparar-se diante de uma nova realidade para conseguir se posicionar em padrões éticos (portanto estéticos) para realizar seu trabalho de forma a estar pronto para a aceitação e não a negação do novo, para a compreensão e não o congelamento do velho e preparar-se; porque o fim da História da Arte não pode ser argumento de cansaço, acomodação e de entrega ao Capital.
Não mesmo, pois a arte não necessita de nenhuma estrutura decadente. Muito ao contrário.

ROGÉRIO GUIRAUD

Arquiteto, membro do Coletivo ARTIXX / passauna@hotmail  - / artixxaoarlivre.blogspot.com/

(1)     Micah Carboneau é um jovem amigo, de 29 anos que, depois de uma experiência humanitária na Romênia, está na África portuguesa para, como ele explica, diminuir o ódio que há no mundo aos americanos, ao tentar passar para todas as pessoas que o povo americano é diferente dos seus políticos, encarnados em G. Bush e outros, republicanos (!). Este texto ele enviou-me para responder uma pergunta sobre como explica essa ação pessoal, especialmente quando ele encontra em Deus e na religião a justificativa da morte de um filho de uma americana nascido morto em função dos precários serviços de um hospital moçambicano à Igreja Pentecostal que ele pertence. Na carta ele fala da cerimônia em uma Igreja Católica após ter conversado com a mãe do bebê falecido. Escolhi o trecho que mostra a escolha consagrada pelo Micah de uma explicação baseada na repetição sem vínculo com a inteligência!


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