Parece fazer parte de nossa natureza fazer arte. Porém, não são todos que se dedicam a viver dela. Para tanto, é necessário se desvencilhar de algumas coisas. Mas, como se separar do dinheiro, que parece tão interligado à arte em geral? Seja pela valorização que se dá a certos trabalhos, ou quando se produz arte com o simples intuito de vender. A questão da arte “pura”, pela qual muitos julgam genuínas somente obras que foram feitas como forma de extravasamento interno, sem a intenção voltada a algo mercadológico, comercial, leva-me a lembrar de situações que me fazem acreditar em como tudo é relativo, e que alguns tipos de obras só poderiam ir mesmo para frente, e existirem concretamente, por causa da idéia de se criar algo “voltado” a algo específico. Vou citar como exemplo uma figura controversa no mundo da arte, – amem ou odeiem – Walt Elias Disney (1901- 1966).
Walt Disney trouxe para a arte do desenho animado um amplo leque de fundamentos e aprimoramentos técnicos que só poderiam ter acontecido com muito investimento e noção de mercado, pois assim, com a produção de algo voltado para as massas, se garantia o interesse das pessoas para uma forma de arte que parecia estar se estagnando e, vendendo um produto direcionado a eles, se teria o retorno financeiro para investir em novas pesquisa a cada novo filme. Disney e seu estúdio foram responsáveis por industrializar uma forma de expressão (a animação)? Sim, foi. Mas também foi responsável pelo seu aprimoramento enquanto forma de expressão artística, tirando da animação o status de mero elemento de trick film para se tornar um gênero consolidado no cinema, graças não só à noção empresarial de Disney, mas também ao seu senso artístico apurado. Mas não que Disney tenha começado do nada. Artistas anteriores, como Winsor McCay (1867- 1933) e Emile Cohl (1857- 1938), já tinham dado a guinada inicial nesse propósito, e se encaixavam perfeitamente na categoria de produtores de obras de arte “genuínas”. Os dois produziam obras bastante conceituais (na maioria das vezes, adaptações de histórias em quadrinhos criadas por eles mesmos) sem um processo mecânico envolvendo vários artistas e sem propósitos comerciais (a não ser McCay, talvez). Posso também citar as experimentações de Norman McLaren (1914- 1987), que só ocorreriam mais futuramente, contribuindo bastante para a arte da animação. Porém, esse tipo de processo é demorado e repetitivo. Os realizadores ficam sujeitos à fadiga, obrigando-se a conseguirem uma colaboração nesse sentido. Em um período no qual os Estados Unidos estavam passando por uma espécie de crise de identidade artística (e um problema financeiro bravo) é de se admirar que Disney consiga criar, juntamente com um competente grupo de artistas, um estilo visual consistente e característico, definindo assim novos parâmetros para a arte por eles executada. E ainda lucrar com isso. Aliás, se eu fosse comparar, os próprios artistas antigos tinham a maioria de suas obras encomendadas pela Igreja, então poderia dizer que não são puramente artísticas justamente por que os mesmos artistas possam ter sido intervindos por seus contratantes? Nesses casos, acredito que o artista possa ter tido liberdade criativa para compor, mas sua idealização não poderia ser oposta a de quem contratava, delineando-se assim um limite em sua criação. Nada deveria barrar a possibilidade de criação ilimitada. Censura não é algo que combine muito com arte, a meu ver.
Mas eis que outra questão surge no decorrer da reflexão: quando feita em conjunto, uma determinada obra deixa de ter a validade de obra de arte genuína por ter sido produto de algo coletivo? Não, desde que exista um líder criativo que determine a direção artística que tal obra irá seguir. Essa noção de automatização de uma técnica, tendo como fim um propósito comercial também me é muito relativa. Na arte não existe uma verdade. Na realidade, existem várias perspectivas. Não reconhecer a competência artística, tanto em termos estéticos quanto narrativos a obras como Fantasia (Disney Studios, 1940) e Branca de Neve e os Sete Anões (Disney Studios, 1934), seria ignorante de minha parte, acredito. Penso no cinema em sua amplitude e reflito: como essa forma de arte sobreviveria sem a colaboração? As pessoas deveriam se desvencilhar daquela excessiva racionalidade quando se trata de arte, pois essa “razão”, na maioria das vezes, traz para nós conceitos pré-estabelecidos, influenciados por idéias de outras pessoas. Na verdade, deveríamos deixar o subjetivo aflorar e acreditar que gostamos do que realmente nos toca. Pois, por mais que seja reconhecível o talento de determinado artista, não se deve fingir um gosto só porque “dizem” que é bom. O método pelo qual foi feito tal obra pode não ter seguido o modo “genuíno” de se produzir arte, mas não acho justo uma negação pré-concebida por esse mesmo conceito. Há de se pensar aqui sobre a diferença entre “criação coletiva” e “produção coletiva”. Nesse caso, parece que está tudo mesclado.
Penso que, em um processo coletivo, ocorre a divisão de elementos inerentes a um todo, sendo cada peça a contribuição individual de um sujeito que, mesmo direcionado a um propósito que possa não ter a ver com sua realidade pessoal, adapta a si mesmo em prol do seguimento de um propósito artístico coletivo. E é a partir desse princípio (a colaboração) que nascem obras como as citadas anteriormente. Projetos que nem vislumbrariam a matéria sem a ajuda de mentes colaborativas e criativas.
FELLIPE TEIXEIRA
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