Sobre desacelerar meu eu crítico


* Os colchetes assinalam as Notas do Revisor.

Talvez um dia você me pergunte quem me contou tudo isso. Explico, você vai dizer que foram os livros, vai dizer que eles fizeram a minha cabeça. Mas acredito que o ponto seja outro. Não sobre quem colocou, nem se foram os livros ou não os responáveis. Quem sabe essas ideias já eram minhas.

Se Orwell esclareceu algumas coisas quando disse que "Os melhores livros (...) são aqueles que lhe dizem o que você já sabe.", uma delas poderia ser que o livro não o foi autor. [“(...) o livro não o foi autor.” Não altero a referência ao leitor nesse trecho por acreditar no sentido em potencial colocado: o livro não se torna autor do leitor que tem perpassado silenciosamente em si o dito do livro, numa confluência entre texto ausente, e portanto latente – pois a ausência só pode ser se for ausência percebida –, com o texto aparição, sendo aparição na ausência do leitor, e fazendo dele o autor das aparições para si.] Se eu tivesse (vamos trabalhar com a ideia) que julgar um livro bom, ou enfim - se trocarmos os livros para qualquer coisa/objeto que convenha - eu préviamente já deveria conhecer, ou seja, eu provavelmente deveria identificar algum conhecimento meu já existente naquilo que eu estou lendo (ou vendo, ou escutando). Assim, eu vou gostar do que eu reconheço, do que me deixa à vontade. Do que me deixa confortável na questão de saber, de estar informado, ou considerando um ponto de vista mais pessoal, eu irei gostar de algo que eu saiba, de algo que dê sentido às minhas ideias. Então, não são os livros os responsáveis de promover ideias, ou inspirar atitudes, às vezes eles podem ser condutores (ou também corromper o que já lhe era certo, tido por verdade. Às vezes os livros, admito, tocam a gente, trocam, argumentam) e em outras podem ser vetores, combústivel para uma ideia já existente, a conhecida pulga atrás da orelha. As ideias sempre estiveram lá, só esperando para serem expurgadas, esperando para abandonarem seu latente estado de inocência e dispersão em meio ao limbo [a metáfora de limbo parece-me funcionar bem no sentido de um lugar ausente das trocas de discurso, aonde se espera alguma aparição.]
De onde tirou essas ideias? Acredito ser essa a pergunta errada. Pergunte: por que faz sentido para mim? Por que esse reconhecimento [de si?] no que eu estou julgando? Qual a relação? Porque essa transmissão de ideias ou, ao invés, a corrupção de pensamento?
Se as ideias não vieram dos livros, se as ideias sempre estiveram lá [no leitor], o livro teve que papel? Ele manteve a chama acesa, fogo esse que sempre existiu. A minha verdade, é bem essa: eu leio para manter meus olhos bem abertos. Atentos a mim.

Eu também creio no poder das palavras, em como podemos manipulá-las, em como somos homens feitos dela.** (Eu posso concordar desta vez) A palavra é expressão, é a verbalização da mente, a lingua é extensão do cérebro, vamos ser racionais. A palavra quer descrever, comover, provocar, insultar; a palavra quer expressar, ela quer transmitir, de alguma maneira. Então temos a escrita, que, por sua vez, quer registrar o que se fala, o que se pensa. Seria a escrita a melhor forma de se organizar o que se pensa? Da escrita vem a leitura, da leitura a reflexão. Isso me provoca experiência? Com toda informação obtida no livro/objeto, eu consegui alguma coisa, tive alguma impressão, algo me aconteceu, me ensinou, repito, me deu experiência?
Por que eu escrevo? Sou eu dotado de informação? De Opinião? Como todo mundo ao redor que sabe tudo mas que nunca fez nada. Sendo informação e opinião coisas ruins por atrapalharem a experiência convencendo-nos com uma teoria bonita, quem sabe, mas falando bem sério daquilo sem de nada aproveitar. Ou eu prefiro me expôr, experimentar, experiencializar? Eu quero toda essa leitura, esse massagiamento de ego? Ou eu quero a informação, uma outra informação, que me propõe a mudança, a transgressão, aquilo que ascende o fogo? Por que eu leio? Eu busco informação ou conhecimento? "A informação não é experiência", diz Larrosa Bondía, "E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência." BONDÍA, p.21, 2002. Eu quero o que de melhor eu puder atribuir, eu quero experiência.

E se eu significar conhecimento como experiência [no sentido de atribuição], diferente de informação e opinião? Eu quero experiência, eu quero ver as coisas acontecendo, eu quero a expressão da mente, eu quero me usar das palavras, eu quero a troca que o contato com o conhecimento puder me dar.

Para ter experiências eu preciso desacelerar, eu preciso deixar que as coisas me toquem, preciso pensar, sentir, eu preciso não julgar (crítica?), não opinar (informação?), jogar fora a opinião, sabendo que se esta não for conhecimento não me serve, e a informação, que também me será inútil se não for propiciadora de experiência. Gosto de acreditar que elas são como aquela famosa "boa intenção" de que o inferno está tão cheio. Eu preciso demorar, demorar para ver, para perceber, eu tenho que observar por fora, estando diretamente relacionada aos fatos (Como seria isso capaz?) Eu tenho que viver e a medida que cabe nessa vivência ir assimilando, escrevendo, organizando, experiencializando. Eu tenho que colocar tudo, sob um olhar crítico, porque só assim as coisas acontecem.

Este é um exercício crítico, a auto-reflexão. É comparar o que te acontece, é pensar sobre, é tentar explicar toda ação (é mais uma opinião?). Chegaria eu a um julgamento absoluto? Quanto de mim estaria impregnado nesse julgamento?
No fim quem sabe sejamos todos egoístas, e nem eu e nem você estávamos certos.

TUDO É E NÃO É SUBJETIVO NA (MINHA) CRÍTICA.

Notas: * No sentido que Larosa Bondía oferece em relação ao tempo necessário da experiência: “A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível no tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspeder o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.” BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Tradução: João Wanderley Geraldi. Rev. Bras. Educ. [online]. 2002, N.19, p.24.

** "Todo mundo sabe que Aristóteles definiu o homem como zôon lógon échon. A tradução desta expressão, porém, é muito mais ‘vivente dotado de palavra do que animal dotado de razão’ ou animal racional’. (...) O homem é um vivente com ‘palavra’." Idem, p.21.



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