Marcas do Urbano


Outdoors, luminosos, banners, ploters, faixas. Tudo para que não esqueçamos a necessidade do consumo; que o produto é lançamento e renovação da esperança de felicidade do tipo Doriana. Light e rica em vitaminas.

Nas ruas, seja interesse público ou privado, as coisas funcionam como guerrilha.

Imagens, boa parte das palavras, de conforto, slogans, chamados ou simplesmente marcas. Antes eram títulos que conferiam distinção social aos nobres, reis,rainhas, condes e famílias. Qualquer sobrenome ou autoridade hoje é uma marca. Coca-cola é uma marca. Não mais uma palavra, mas uma imagem marcada, carregada de sentidos e registrada.

Flanar* é voltar para casa coberto de marcas.

Toda nossa imersão em um mundo tem uma visão dessa estrapolação dos limites. Nós aceitamos a invasão de bom grado, desde pequenos, como no caso dos moldes impostos por uma boneca, princesa perfeita, como a Barbie. E quando somos adultos é normal essa violação diária que sofremos nas ruas, sem ao menos dar-nos conta.

Temos as pálpebras flácidas de tanta penetração.

Como tudo é notícia boa, voltamos sorrindo para casa. Especialmente se o apelo é correspondido na compra consumada e a criança recebe no lar a boneca de rosto aberto. Afinal, esse tom moral é permeado por uma alegria efêmera e contagiante. É o prazer, o gozo.

Mas nem tudo vem fechado a vácuo ou com embalagem laminada.

Pouco importa. Não é sobre satisfação rápida de prazeres capitalistas que falo, apesar de permear a questão. Há uma expressão não comercial nas ruas. E incomoda. Essa ironia pesa tragicamente quando às 8 horas da manhã alguém sai para trabalhar e repara a fachada marcada.

Aí é notícia ruim?!

Tudo bem que ninguém coloca um banner da Doriana no seu quintal, mas isso também não importa. Pixaram seu muro não por vontade de estragar, mas por determinação de que a marca vale pela ideia. E ideia só vale na atitude. Assim é nas ruas, não importa a origem da pessoa. O muro é exposto à rua e, como alguém que anda pela calçada está sujeito a topar de ombro com um apressado descuidado, você esta sujeito também àquela cutucada no ombro que te tira do transe matutino.

Não, isso não é um comercial de Doriana.

E tampouco depredação de patrimônio. Não foi um vidro quebrado, merda na fachada ou simplesmente tinta borrada para estragar. Talvez jogar um balde de tinta no muro fosse até mais aceitável. E aí a questão pega. Marcaram o muro com uma inscrição. Alguém chegou, assinou "tá aqui!" e saiu.

Somos condicionados a tal ponto que não nos damos conta de que não é vandalismo o incômodo, mas uma inscrição. Algo que nos tira da submissão dos olhares. Daquele olhar passional que acolhe.

E se você parou, olhou e pensou, não importa o quê e como, chegou onde era pra chegar. Arte de rua não é feita pra ser legal ou bonitinha. O graffiti só tem uma melhor aceitação por conta de nossas expectativas estéticas com relação ao belo, à arte.

As coisas são mais sólidas, não rígidas. Nós (e digo NÓS porque Arte de Rua hoje não corresponde mais a uma determinada classe social) escolhemos o confronto direto porque a coisa toda é isso. Os corredores de convivência social, esses currais de pessoas, não são shoppings a céu aberto. A propriedade é pública. A via é pública.

Nas ruas, arte também é guerrilha. É atitude.

MARCELO LEITE

Nenhum comentário:

Postar um comentário