Uma Viagem pelas Fronteiras


Como questão ela [a arte] não pode ser resolvida em conceitos,
mas antes de tudo deve ser experienciada.
Martin Heidegger

Uma história para ser contada precisa de um começo, meio e fim, mas e se uma história pudesse ser contada em partes, a partir de fragmentos que podem até mesmo perder o fio da meada para dizerem o que querem? Durante uma pesquisa o artista Cleverson Oliveira percorreu as Américas e registrou diversas situações, o que gerou um banco de imagens que foi construído ao longo desses cinco anos de pesquisa. A exposição Fronteiras coloca o visitante no meio dessa viagem, o visitante da exposição pode ser visto como um visitante em um lugar desconhecido, mas lugar este que apresenta uma série de similaridades com histórias que conhecemos e com as imagens de mundo que estão fixadas em nossa memória.

A exposição acomoda seis fotografias e uma vídeo-instalação chamada debris. As fotografias apresentam imagens que se aproximam de um referencial televisivo, são imagens de vales em montanhas norte-americanas, coiotes, ovelhas e cachorros de uma cultura que não vivenciamos, mas que faz parte de algo que podemos chamar de um inconsciente coletivo, um lugar [fronteira] onde habitam estas imagens absorvidas e fixadas pelo grande aparato eletrônico que comove milhões de pessoas todos os dias: a televisão. As imagens apresentadas na exposição são forjadas, montadas e construídas, ou seja, a ideia de um viajante que registra a natureza in loco é subvertida e os animais que estão representados são, na verdade, registrados dentro de vitrines de museus. O artista nos pergunta assim se o museu cria uma realidade, uma proposição sobre o que é arte e se e este espaço museológico pode ser definidor da obra de arte, uma herança de Duchamp, que faz com que todos se perguntem como aquele espaço permite que um objeto do dia a dia ou que qualquer coisa ali apresentada seja uma obra de arte.

O viajante aqui é representado por um indivíduo que percorre e que se desloca pelo espaço e tempo, um viajante que pode não ser o próprio artista, uma viajante que constrói uma história que nos é apresentada não linearmente, ela se apresenta de maneira fragmentada e até mesmo desconstruída. A instalação debris é um ambiente em que o espectador imerge no espaço/tempo fragmentado do vídeo. A velocidade com que as imagens são mostradas e a sincronia entre as três telas de projeção, juntamente com o áudio, nos conduzem para uma situação fronteiriça de vídeo. Se pensarmos o vídeo como uma ferramenta para se registrar/contar histórias, o vídeo de Cleverson quebra esta história e nos propõe a pensar as imagens ali expostas fora do espaço/tempo de um vídeo. As camadas sobrepostas, a justaposição de elementos, não propiciam uma narrativa, o que cria uma atmosfera atemporal. Mas, ao mesmo tempo, em determinados momentos o artista nos coloca como cúmplices desta história do viajante, quando ele se mostra na tela. O artista explode na tela uma série de detritos e nos pede para construir algo a partir deles.

As fronteiras a que a exposição se refere são as fronteiras da arte com o cinema e com a fotografia, limites tão tênues que às vezes soam imperceptíveis. A exposição nos mostra que pensar em vídeo enquanto arte pode dar a entender muito mais do que apenas uma história bem contada ou um registro de uma ação, mas uma reflexão sobre o que é este suporte na arte.

ANA ROCHA

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