Nota sobre o engajamento atual dos coletivos artísticos


Há de se ressaltar o crescimento dos coletivos artísticos nos últimos anos, não só no Brasil como no mundo. Grande parte desses coletivos perece atribuir em suas obras e ações uma ideia de engajamento sociopolítico. A ideia de engajamento social nas artes inicia-se numa corrente que começa com os dadaístas, reaparece com grande força nos anos 1960 e 1970 e culmina num estouro de coletivos nos anos 2000.

A vertente de engajamento dos dadaístas era a ironia, e correspondia a um espelho crítico de uma sociedade caótica do entreguerras. Num clima de descrença dos artistas em relação às suas próprias ideias de progresso social através da arte, ações como a fabricação de um poema a partir de palavras recortadas de jornais, retiradas de dentro de um saco e lidas aleatoriamente, questionava a lógica impecável do ser humano avivada nas ideias de construção social dos iluministas. Para os dadás, essa “razão substancial” era incapaz de impedir que a guerra acontecesse. A ação refletia também a discussão do objeto de arte enquanto impossibilidade de exposição, chamada de antiarte. Muitos desses artistas eram em si ativistas políticos, estavam envolvidos diretamente com questões sociais levantadas pela guerra. Foram engajados pela política a fim de promover uma sociedade mais justa e correta através da arte e no final foram bombardeados por uma situação horrível de descrença na humanidade com a 2° Guerra.

Mas outros manifestos que ainda colocariam em discussão a possibilidade de uma arte proponente de uma sociedade melhor estavam também em andamento, como o movimento do construtivismo russo (1920). Os construtivistas possuíam uma concepção oposta à descrença dadaísta, propunham que a arte fosse um meio de transformação social a partir de sua socialização. Ideias utópicas de construções arquitetônicas foram projetadas, fomentando a Era Industrial como um marco positivo para a transformação social. Acontecimentos políticos da época desabilitam as ideias e disso surge uma arte política que ia contra o próprio construtivismo de uma arte não política, mas social.

Nos anos 1960 e 1970 essa mesma atitude de engajamento entre sociedade e arte é reestruturada e discutida. Os situacionistas, movimento iniciado em 1957, é um grande marco de engajamento sociopolítico na arte desse período. Defendiam que a revolução deveria ser reinventada, a cada tempo, para se fazer efetiva, porque entendiam que a ideia de revolução já era designada pela história como algo passível de desintegração, de alienação. Algo muito próximo do clima vivido pelos artistas dadaístas. Seu engajamento estava então na ação artística enquanto ressignificação de um objeto tomado pela cultura, que, usado com tal ressignificação, estabelecia a crítica à sociedade. Isso acontecia de maneira performática a partir de “situações”, estabelecidas pelo grupo, avessas às do cotidiano, que visavam existir de maneira provisória e experimentada. Abordavam o próprio sistema artístico como uma alienação por ser um sistema em si e por isso não articulavam-se dentro dele, o processo era sempre marginal.

Nos coletivos atuais, as críticas social e política são concebidas pelas experimentações poéticas das suas obras. Esses coletivos ainda querem propor uma arte contra os padrões da arte vigente. No entanto, o engajamento nesses propósitos parece ter sofrido uma distorção considerável. Ao mesmo tempo em que as incursões da arte na sociedade desses coletivos ocorrem através de ações e intervenções urbanas que propõem uma questão crítica a partir de descontinuidade do cotidiano das pessoas comuns, estas já deixaram há muito de causar um embate profundo na vida das pessoas. Quando essas descontinuidades provocam de fato uma mudança, parecem distantes de proposições artísticas efetivas, são ações de ativismos como pintar uma nova faixa de ciclovia ou promover oficinas de criação. Diante disso, o engajamento inserido na obra que entra no museu, quanto a “transformar a sociedade”, me parece modesto e usado mais como um tema (o qual atinge um efeito de ilustração irônica do mundo ruim ou do mundo perfeito) do que uma transformação efetiva da realidade a partir da arte. Por isso, dizer que a grande quantidade de coletivos existentes no mundo hoje parte do ideal de que “a arte pode transformar o mundo” me parece um jargão que não se dissolve.

Outra questão é o engajamento político em relação ao sistema artístico; ao mesmo tempo em que esses grupos articulam a criação de circuitos de arte paralelos, bem como espaços alternativos de discussão, criação e exposição, se inserem também no sistema vigente. Não que isto seja de cunho contraditório, até porque essa inserção ocorre de maneira questionadora e irônica, mas parece estar distante da possibilidade de transformá-lo. Os choques estéticos causados pelos dadaístas e a tomada dos museus como espaços alternativos de arte nos anos 1980 pareciam mais engajados nessa transformação do que hoje. Agora estas questões parecem abafadas pelo próprio sistema que vende a assinatura coletiva no mesmo estatuto que a assinatura de um artista, ou que moldura e pendura num espaço branco uma obra que tem uma proposta que ocorre distante deste local.

O objetivo deste texto, enfim, não é o de ignorar esse acontecimento real que a atualidade artística nos propõe, mas é o de lançar a pergunta e a necessidade de nova discussão sobre essa situação de engajamento dos coletivos atuais. Trocou-se a ideia de revolução por uma ação mais localizada que morde as beiradas. Sendo assim, qual é o objetivo de se dizer que há efetivamente um engajamento sociopolítico na arte de hoje?

LAILANA KRINSKI

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