Não
é necessário ser entendido em francês para falar algo sobre um
escritor franco-uruguayo. Isidore Ducasse, alguns o consideram um dos
precursores do surrealismo. Algo surreal como um conto do outro
mundo. Que mundo? Aquele onde a inocência anterior a toda teoria nos
permitia saber – ou ao menos se acreditava saber – o que fazia a
obra de arte ao invés de perguntá-la o que dizia. Mas voltando ao
nosso mundo me pergunto por quais caminhos têm andado artistas,
crítica, a arte e seus consumidores. Nestes tempos em que a cultura
é um negócio. E nesse tom atual de responsabilidade social e
inclusão de um par de coisas estariam também as artes, como
cultura. Com fins comerciais ou aquela esperança aos pobres
prometida, as artes têm estado mais acessível a todos. Mas têm de
fato chegado a todos? Dois alemães conversando em algum café de
Paris ainda antes da segunda guerra mundial diziam que há países
que estão baixo a ditadura dos consumidores de arte, e outros que
estão baixo a ditadura dos produtores. Em qual situação nós
estaríamos, se na ideia de arte desses alemães temos polaridades
que se enfrentam inconciliáveis: arte do público e arte de
artistas, arte de profanos e arte de peritos? Isso exigiria umas
tantas respostas antes. Mas tal como perguntar o que é arte, não
podemos esgotar o assunto. A mímesis
naturalista e o abstrato, o belo e não belo, forma e conteúdo,
objetividade e subjetividade. Como não sou experto vou aceitar o
julgamento alheio, daqueles que por estudos, méritos ou subornos
decidem o que é arte, e tratar arte como aquilo que é exposto em
museus. Em outro mundo, o museu é só para um clube muy
seleto. Artistas e apreciadores de arte. E convenhamos que nesse
outro mundo apreciadores de arte são acadêmicos, profissionais,
pessoas inteligentes, gente culta e também aqueles que têm prata ou
sobrenome. De volta à nossa cidade, há alguns museus, galerias e
ateliês. Dos dois últimos é bem provável que poucos saibam. Mas
tendo um museu como um dos principais cartões da cidade, ao lado de
um parque, é bem presumível que muitos conheçam. Se bem me lembro
é o único museu do Estado que cobra os ingressos de entrada. O
preço? Irrisório. Talvez simbólico, como colocando uma barreira ou
peneira, para filtrar os visitantes. Não é dever de ninguém gostar
de arte, conhecer pintores, ir a museus. Tampouco é obrigação
entender de futebol ou assistir missas. Os dois últimos são para
todos, favelados e milionários, analfabetos e doutores, etc. A arte
não deveria ser também? Capaz que sempre tenha sido, mas existem
limites como os que evitavam o acesso de Josef K. à justiça e à
lei no Processo
de Kafka. E mais, limites inexoráveis e invisíveis. O fato é que
ultimamente, com fins de lucro ou não, temos visto todo um incentivo
à cultura. Promoções de museus, eventos culturais, festivais,
oficinas. E, bem divulgados, atingem o público. A socialização da
cultura, da arte (alguma vez as artes tiveram consciência social?).
Mas o público ainda é pouco. As pessoas devem ser educadas em artes
para entendê-las ou os artistas produzir algo mais popular? Na
Alemanha hitleriana a produção artística era do Estado. Fazia
parte da publicidade. Atingia ao grande público. Ia à contramão
das correntes artísticas daquele tempo, em sua maior parte
abstratos. Voltava ao estilo clássico, realista. Realismo heroico e
realismo romântico. E atingiu o grande público. Em outro mundo
seria aceitável o surgimento de um novo movimento. O brazukismo,
kitsch, com características brasileiras de outros tantos estilos
anteriores, outras importadas, simples, de fácil entendimento para o
grande povo brasileiro. E os críticos, se não perseguidos como em
uma ditadura acusados de subversão, calados. No nosso atual país,
talvez no mundo, temos tal problema com a arte contemporânea. Não
há unidade, e são tantas as inovações. Os membros dessa seita
secreta que é o universo artístico entendem, admiram. Para o
público geral são bizarrices. Coisa de louco. Explicar-lhes o que é
arte? Como? Se nem estudantes de arte que, como disse carinhosamente
certa professora, têm os olhos adestrados para observar uma obra
podem definir o que ela é. Arte não é simples. Difícil de se
definir, independentemente do critério que usamos. Não é exata. E
se têm aqueles que dizem que é o belo, o feio pode ser arte, ou a
arte não precisar necessariamente ser bela. Na verdade, nem o belo
nós pudemos dizer exatamente o que é ou o que deixa de ser. Se a
beleza está no parecer, se foi uma delimitação decidida por
convenção, etc. Inclusão, incentivo, educação, há um esforço
para levar as artes a todos. Falta uma resposta? A mesma que artista
quer para entender destino inevitável de ficar incompreendido? Mas
vale citar que em outro mundo, onde os cachorros eram tratados como
deuses, com mais respeito que as vacas na Índia e –
inexplicavelmente – não por motivo religioso, foi permitida a
entrada de cães nos museus. E como se não bastasse, logo houve
espaços artísticos especiais para animais de estimação. Pet
Art, como se
entendessem. Escolas de artes para animais. E até um movimento
artístico de vanguarda, de cachorros! E como estamos nós? Eu
sugeriria ver do ponto de vista de Maldoror,
personagem de Lautreámont,
o mundo como um grande objeto exterior. Equivale à realidade contra
a qual lutamos dia-a-dia. A peleia entre o imaginário e o real.
Afinal, um mendigo (negro, refugiado da guerra de Angola, que
atravessou o atlântico surfando no casco de uma tartaruga) pode
conversar com a
Gioconda. Ou a
ministra Muerte Querida
afirmar ter visto o David
de Michelangelo caminhandando pela esplanada em Brasília. Para
Ducasse há beleza no encontro casual entre um guarda-chuva e uma
máquina de costurar sobre uma mesa de dissecação. Em um romance
qualquer que tenha um personagem artista, não necessariamente o
principal, o encontro de uma mulher e um rapaz, na casa do pintor
seria ainda mais belo. Mas, para Platão, a arte, a pintura ao menos,
é duvidosa, não tem uma utilidade determinada nem é verdadeira.
Existe. E há quem gosta.
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